Ampliando o “campo de visão”

Tal como na Ambliopia, em que um olho não funciona tão bem quanto seria esperado, o transporte público é merecedor de muitas das críticas que recebe. Ele não enxerga em detalhes a dinâmica da maioria dos centros urbanos e muitas vezes responde mais lentamente do que o esperado às mudanças sociais e evoluções do tecido urbano. Posto isto, insisto na analogia entre a “Qualidade Percebida”  e a “Ambliopia da Mobilidade Urbana” e pretendo me aprofundar um pouco mais em um destes aspectos: o campo de visão. A segurança, o equilíbrio, a adaptabilidade, a previsibilidade e até mesmo o conforto são afetados pelo alcance e amplitude do nosso campo de visão. Em oposição às guias que eram impostas aos animais de carga para que enxergassem apenas uma parte do cenário, o amplo campo de visão representa a liberdade, a agilidade e a eficiência.

 

As corujas, com seus pescoços giratórios, os camaleões com os globos oculares independentes e as abelhas com seu sofisticado sistema multifacetado podem ser ícones destes conceitos de liberdade, eficiência, produtividade e adaptabilidade. Quando não se enxerga o cenário inteiro, é muito mais difícil tomar decisões, reagir com agilidade e atuar com precisão. Na mobilidade urbana, o campo de visão se relaciona intimamente com a sustentabilidade em suas dimensões elementares: a dimensão social , a dimensão ambiental e a dimensão econômica. No modelo proposto em meu trabalho (Maciel, 2019) a sustentabilidade do transporte urbano pode ser abordada a partir de 7 diferentes *variáveis que se agrupam em cada uma das suas dimensões elementares. Na dimensão econômica, a variável “qualidade da integração” representa a amplitude desse campo de visão que por sua vez, se relaciona com a dimensão social no que diz respeito à “adequação às necessidades” dos clientes e que na dimensão ambiental é representada pelas “iniciativas ecoeficientes”. Tal como o campo de visão ampliado, a mobilidade sustentável se apoia na integração intermodal e tarifária plena com todos os benefícios que esta atuação em rede pode trazer. A atuação em rede, tão propagada nos setores ligados à comunicação,  tecnologia e saúde é pré-requisito para a construção de um sistema integrado, sustentável e inteligente de transportes urbanos como espinha dorsal da mobilidade sustentável e inteligente. Os desafios para a integração são tão complexos quanto numerosos.

 

Há uma necessidade premente de transformação do setor, inclusive da sua cultura de gestão, para acatar os movimentos incontroláveis da digitalização, desmaterialização e descasamento dos elos da cadeia de valor dos serviços de transportes e deslocamentos. Esses termos ainda representam luzes tão intensas que ofuscam a visão dos empresários, poder concedente, sociedade e mesmo dos  clientes.  Pasmem, a digitalização vem ganhando terreno junto aos clientes não por meio dos elos que mais poderiam se beneficiar dela (os serviços de transporte coletivo) e sim por meio dos novos entrantes (que já não são mais tão novos assim) tais como os aplicativos de viagens individuais compartilhadas ( Uber, 99, Cabify) ou os prestadores de serviços de micro-mobilidade (Yellow, Tembici, Lime).  Muito me surpreende que quem detém realmente o acesso privilegiado ao cliente tanto no que diz respeito à frequência quanto na utilidade não se aperceba da grandeza que a digitalização pode representar na transformação do seu negócio, na formação de uma rede integrada de serviços de transportes e oferta de deslocamentos e em última instância, na construção de uma sociedade na qual o transporte público seja elemento de ligação e não de segregação. O processo de digitalização e transformação do setor de deslocamentos (sim, acredito que este seja o negócio, para além da “miopia do marketing”) vem sendo exaustivamente debatido em trabalhos acadêmicos, fóruns de negócios e investidores, mas “aterrizar” os projetos tem sido tarefa difícil inclusive para quem, como eu, se dedica a estudar o comportamento sistêmico desse complexo mundo da mobilidade urbana

Em função da complexidade e abrangência do tema, decidi fazer uma série de textos e apresentá-los separadamente. Espero contribuir para a discussão e aguardo seus comentários, bem como conto com o compartilhamento caso queira ampliar o escopo deste debate.

* As 7 variáveis :

  • Formalidade
  • Qualidade da integração
  • Visão de futuro
  • Transparência
  • Adequação às necessidades dos clientes
  • Iniciativas eco-eficientes
  • Controle de impacto ambiental

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