Sistemas de transporte eficientes e sustentáveis.
– SIM, Eles existem!
O estudo de casos de sucesso serve sempre como guia e como aceleração do processo de aprendizagem. O sistema de transporte de Genebra foi objeto de estudo de trabalho de mestrado, e destaco aqui alguns trechos que podem evidenciar algumas características que fazem dele um sistema sustentável, eficiente e com grande adequação às necessidades dos usuários.
Como todos os outros sistemas de transporte conhecidos e desconhecidos, os anos em que a pandemia da COVID assolou o mundo foram cruéis com o transporte público, e lá não foi diferente. A receita operacional do sistema, no ano de 2022 foi equivalente à do ano de 2018, enquanto os custos operacionais cresceram mais de 15% no mesmo período. Ainda assim, acompanho com alegria o desenvolvimento desse sistema que serve de modelo para mim por uma série de motivos, que fizeram parte da minha dissertação em 2019.
“ O fato de o cantão ser praticamente incrustado em território internacional e de ser uma referência internacional de multiculturalidade foi um dificultador de políticas de contenção da expansão da motorização individual, mas, por outro lado, abriu a possibilidade da multimodalidade como caminho para um sistema de transporte integrado e sustentável. “
“O desenvolvimento urbano e sua conexão com a rede de transporte é frequentemente associado a fatores endógenos e exógenos. Os fatores endógenos, ao desenvolvimento urbano, dizem respeito principalmente à consciência ecológica, ao histórico de aproveitamento do espaço urbano e à tradição política. Por outro lado, fatores exógenos como o equilíbrio e coordenação de objetivos dos diversos entes da rede (Kaufmann & Sager, 2006), também influenciam na relação entre a rede de transportes e o desenvolvimento urbano, de forma que os interesses de parte tendem a influir no todo. Partindo dessa constatação, a gestão integrada é mais difícil, na medida em que a rede é mais diversa, multicultural e movida por interesses distintos.
Em Genebra, a implementação de um sistema integrado e equilibrado demandou esforços relevantes na superação da diversidade dos interesses e da importância dada à individualidade, como um valor tão importante para a sociedade. A opção por desenvolver diversos modais que não concorrem entre si, mas se complementam, parece ter sido uma escolha acertada, …“
“Ainda no campo das políticas de planejamento urbano, essas que são severamente influenciadas pelas decisões tomadas anteriormente, e podem afetar, de forma proibitiva, os ajustes de estratégias locais ou mudanças de direcionamento. Principalmente em grandes cidades, modificações estruturais envolvem grandes volumes de investimento, tempo e recursos que não costumam ser ativos abundantes em países em desenvolvimento como o Brasil.”
“O transporte público em Genebra, mesmo nas vias de utilização mista, tem prioridade de circulação. Há semáforos específicos para o transporte público, que permitem a passagem desses veículos antes dos veículos particulares, e essa iniciativa é emblemática pelo fato de que apesar de respeitar a decisão de utilização do transporte particular, é possível atuar em prol de um sistema de transporte mais sustentável. Estabelecer prioridade de acesso aos veículos de transporte público coletivo é uma das iniciativas propostas, o que poderia ser feito com baixo nível de investimentos e retornos imediatos, aumentando o nível de sustentabilidade “
“Alinhar a gestão da rede: A gestão integrada das políticas de desenvolvimento urbano e seus instrumentos, como os PDDU’s e políticas regionais de cada subsistema, pode trazer a visão de futuro alinhada entre os entes da rede de transportes e promover melhora das condições de mobilidade. A integração da gestão permite a construção de cenários mais factíveis, com menos variáveis sem controle, uma vez que o fluxo de outros subsistemas é melhor avaliado. A integração da gestão permite ainda suplantar deficiências orçamentárias de um subsistema, em particular, quando identificado o impacto desse no sistema integrado.
Além da transposição das limitações de orçamento individuais, a gestão integrada permite a geração de estruturas de garantia conjunta, que garante acesso a melhores condições de financiamento para projetos de longo prazo, atendendo às variáveis visão de futuro, adequação às necessidades dos usuários, iniciativas ecoeficientes, qualidade da integração e transparência “
“ As iniciativas ecoeficientes só se provam efetivas quando há instrumentos de controle para avaliá-las. É importante medir a adequação à necessidade, ainda que latente, dos usuários, e a transparência com que os resultados são observados pode contribuir para adaptar a realidade vigente e atender à visão de futuro. Ainda que o impacto positivo não seja imediato e que o peso da variável seja, a princípio, desbalanceado, é preciso que a incorporação das inovações se dê com benefícios mensuráveis e sem que o sistema seja reinicializado ou que os recursos públicos sejam exauridos”
“Utilizar a multimodalidade: A escolha modal, além de influenciar no cotidiano das pessoas, na disponibilidade econômica e no tempo, é também influenciada por esses e outros fatores, tais como exigência de conforto e oportunidade. Em Genebra, no esquema de mobilidade da cidade, a utilização dos veículos particulares pelos indivíduos sempre foi relevante. Eles tomam sua decisão considerando, além dos aspectos custo e tempo de deslocamento, características socioeconômicas e culturais, nível de renda, densidade de postos de trabalho e influência da principal cidade na região (Palma & Rochat, 2000).
Para os usuários de transporte individual, os fatores tempo de viagem e custo da tarifa costumam ter menor impacto do que em outros grupos, e sugerem um peso relativo maior a atributos como conforto e segurança. No caso de Genebra, houve uma decisão estratégica de integrar plenamente todos os modais, facilitar a multimodalidade e respeitar os valores culturais da rede de transporte com acesso coordenado de veículos privados e dos meios públicos de transporte, privilegiando a integração intermodal em suas diversas formas. “
“Discussão do financiamento público dos custos do sistema de transporte: A transparência tira poder dos governos e contratantes, e o transfere, em parte, ao usuário e, em última instância, à sociedade. O devido endereçamento da variável transparência pode inclusive explicitar a lógica perversa, na qual o sistema é inteiramente financiado apenas pelos usuários, que em geral são os que dispõem de menor índice de mobilidade e que subsidiam as políticas sociais, das quais o poder concedente usufrui como capital político.
“Quando uma prefeitura estabelece algum tipo de benefício ou gratuidade, seja tarifa reduzida aos domingos, uma categoria profissional que é isenta de pagamento, ou mesmo os benefícios de acompanhantes a deficientes, o benefício político é ativo da prefeitura – ou poder concedente – e o ônus financeiro desses benefícios recai integralmente sobre os ombros dos usuários pagantes. É um subsídio cruzado, que fomenta a desigualdade. No caso do poder concedente que participa do sistema de transportes com subsídios públicos, essa lógica é invertida: as políticas sociais recaem sob a sociedade, e a adequação do sistema de transportes, bem como a responsabilização pelo seu ônus, são suportadas por quem o defende. Transparência é fundamental no diagnóstico, no debate, na tomada de decisão e na responsabilização.
Visão de futuro:
a) Personalizar os deslocamentos: O respeito às escolhas modais não exclui o privilégio que o transporte público deve ter sobre os meios de locomoção individuais. A personalização dos deslocamentos é uma tendência nos sistemas de transporte mais eficientes, mas não significa a utilização de veículos particulares. Uma melhor qualidade de integração, utilização de iniciativas ecoeficientes e adequação às necessidades dos usuários pode atender à demanda por deslocamentos personalizados. A distribuição do fluxo em diversos modais oferece combinações muito mais numerosas de deslocamento, e pode atender à necessidade de personalização, sem incentivar utilização de veículos particulares. Serviços expressos circulares, com melhores atributos de conforto entre dois nódulos de integração, por exemplo, podem permitir experiências diferenciadas e adequar-se às necessidades de parcela dos usuários.
b) Incorporar veículos compartilhados, veículos autônomos, elétricos. Veículos compartilhados (serviços de taxi tradicionais e serviços intermediados por aplicativos), veículos autônomos, elétricos ou movidos a fontes de energia não poluentes não são isoladamente opções viáveis na construção de sistemas de transporte mais sustentáveis. Alguns atributos desses veículos satisfazem as variáveis controle de impacto, adequação às necessidades dos usuários e inovação ecoeficiente, mas não às variáveis visão de futuro, qualidade da integração, formalidade, transparência e controle de impacto ambiental, reputadas importantes neste trabalho. Mesmo considerando que os veículos autônomos permitissem que o tempo fosse melhor aproveitado pelos usuários, que a posse dos veículos fosse substituída pela experiência de uso, ainda assim esses veículos ocuparão o espaço viário, terão de ser estacionados ou armazenados e, caso isto não ocorra em uma área central, implicará em deslocamentos ociosos ao início e final do período de utilização.
A utilização de veículos autônomos em larga escala, apesar de gerar algumas externalidades positivas como o compartilhamento e ainda permitir que entregas de mercadorias sem condutores no período noturno, contribuiria para o maior volume de viagens, ao contrário do desejado, desestimulando a utilização do transporte público e incentivando as viagens individuais.
Outro aspecto a ser considerado na hipótese de utilizar o veículo autônomo em larga escala é o resultado indesejável da possível sedentarização da sociedade. Um sistema sustentável não é aquele, no qual os indivíduos não se movem ativamente sem um veículo com propulsão, pelo contrário. Levando-se à conclusão de que, como parte complementar de um sistema integrado, os veículos elétricos e autônomos e mesmo os veículos particulares à combustão podem fazer sentido, mas nunca como foco principal dos objetivos de mobilidade.
c) Implantação de sistemas estruturantes de grande capacidade: Tampouco há que se pensar exclusivamente nas soluções estruturantes de grande capacidade para as áreas adensadas, bem como os sistemas metroviários, pois esses não se conectam às áreas periféricas e suburbanizadas que são parte da realidade e devem ser levadas em consideração. A multimodalidade, quando consideradas as variáveis propostas neste trabalho, pode representar sustentabilidade.
Fontes: